REVOLUÇÃO DOS CORPOS CELESTES
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A MARIONET APRESENTA "REVOLUÇÃO DOS CORPOS CELESTES " DE PTOLOMEU A GALILEU, MAIS PERTO DO CÉU

O teatro e a ciência dão as mãos em "Revolução dos Corpos Celestes", uma co-produção da MARIONET com o Instituto de História da Ciência e da Técnica/Museu Nacional da Ciência e da Técnica. Este trabalho, com texto e encenação de Mário Montenegro, abre um novo ciclo que visa precisamente aproximar a ciência e o teatro. No sótão do Palácio Sacadura Botte, até ao dia 15 de Dezembro, as estrelas brilham com mais intensidade.


"No princípio, criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz. E houve luz. E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã o dia primeiro."
A peça começa com esta citação dos primeiros versículos do Antigo Testamento na voz do Espírito Conservador interpretado pelo Mário Montenegro. O Espírito Conservador, bem como o Espírito Livre, estão sempre presentes na vida e obra de três dos responsáveis pelos avanços científicos no campo do universo astronómico - Ptolomeu, Copérnico e Galileu - interpretados sucessivamente pelo mesmo actor, Nelson Rodrigues.
Do princípio ao fim, levantam-se muitas questões sobre a posição dos astros mas mais importantes e subtis são aquelas que, afinal, estão no centro das preocupações humanas de todos os tempos: de onde vimos, para onde vamos, "qual o momento da minha morte?" - como se pergunta Ptolomeu. A ciência procura essa verdade da qual a fé religiosa já se acha detentora. "A verdade é Deus", diz o Espírito Conservador, e "aos Deuses cabe a resposta". Mas o conhecimento é filho da razão e diz esta que a palavra de Deus, como todas as palavras, são invenções do Homem, logo, não são universais.
"Porquê?" - pergunta o Espírito Conservador exaltado. "Tens de perguntar?", riposta o cientista igualmente perplexo. "Tens de responder?!", reclama o mesmo Espírito. E o confronto dá-se perpetuamente entre a prisão dogmática e a liberdade do saber. Deste lado está o outro Espírito, o Livre, no corpo da Carla Taipina, que protege e alimenta a ansiedade dos homens que pretendem derrubar barreiras para ir mais além. Esvoaçando de um lado para o outro sem dizer palavra, apenas murmurando, tem todo o seu significado na mímica que exerce. Esta peça ganha muito pelo cenário real, um sótão, emprestando ao público a sensação de viver os acontecimentos refundido num espaço que é também vivo e protagonista (a janela, real, é alvo das intenções momentâneas das personagens além de servir de entrada de luz do exterior, revelando uma técnica de luz bem pensada e inconformada com os limites do palco).
A conclusão principal desta noite teatral é a de que "está tudo ao contrário" - nas palavras de Galileu -, sempre, como eterna é a azia de Ptolomeu no Homem insatisfeito com a sua vida em busca do seu papel no Universo, de modo a acabar com as trevas de vez e iluminar o espírito.

Diogo Serras
Imediatico.com - Jornal do Instituto de Estudos Jornalísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

11/12/2001





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