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POESIA


Trabalhos:

O Terrorista Gustavo de Mário Montenegro (3 Jun 2004)


A sessão é solene de Mário Montenegro (4 Jun 2002)




O Terrorista Gustavo

Na praça rolava uma lata de Coca-Cola,
perdida de vazia.

Gustavo chutou-a
com as Nike sem querer.

O barulho da lata a saltar
no chão polido da praça de pedra
despertou todos
os que por ali se encontravam
letárgicos.

Um homem com um comunicador
à distância
à cintura
estremece
com a voz que lhe agita a bacia
e responde de acordo
com as ordens recebidas.

Dá imediatamente voz de prisão
ao Gustavo,
acusado de associação terrorista criminosa e de planear um atentado
contra
os Estados Unidos da América e Europa,
desmascarado pelo pontapé
alegadamente inocente
num dos maiores símbolos do capitalismo.






A sessão é solene

 

A sessão é solene.

As gravatas escrupulosamente alinhadas formam filas de interesse.

O ambiente, sentado, é de compenetração.

Entra o leitor.

A agitação que tremeu as cadeiras é breve.

Os últimos acertos de posição, a escala monocromática do pigarreio da responsabilidade, a agitação sonora dos nós de gravata solidários.

Começou, pelo título.

"Há moscas em torno da lâmpada"

Algumas nucas nas costas, distraídas.

Isto era o título.

Começou.

A cadência é cadente, o tom de arranque.

Interesse expectante.

Frases vagam de encontro às cadeiras com costas importantes.

Cada palavra é um molhe de significados díspares, plena de interpretações.

O virar de página tem, também, o peso da palavra.

Novo arranque, esforços recomeçados de atenção.

Com o ritmo ordenado de uma curva gaussiana a perna direita sobrepõe-se à outra, alternando assim.

O som suave susurrado pelo tecido vai indiciando o nível económico da sessão.

E a mosca que bate mesmo na lâmpada prende já ao filamento expressões embaladas na cadência cadente da sala.

A mosca em torno da lâmpada tem a frenética vontade de entrar de quem ficou de for a. Presa na sala, do lado de for a do vidro.

Presos na sala, fixos na mosca, o poema ganha sentido.

Virar síncrono de algumas cabeças - um pigarro ecoou.

(Qual a última palavra do leitor?)

Torcer milimesicamente conjunto dos pescoços - o metal da cadeira rangeu.

(Qual a última palavra do leitor?)

"A importância momentânea do mais ínfimo"

A claridade na sala é mais brilhante, solta, já não presa por muitas retinas.

A momentos de quanto mais calma, seguem-se momentos de quanto mais agitação.

Ao celeste ressonar a maléfica cotovelada.

Pausa grave do leitor.

Silêncio de moscas, comprometido.

O arranque final, poderoso, despertador.

A outra sobre a direita.

"Massificação!".

Terminou?

Terminou.

Trovejar de tempestade de Verão, na sala.

Súbito, forte.

A mosca perde-se da lâmpada.

As cadeiras mexem-se aliviadas, agitam-se de liberdade.

Mas.

A mão no ar do leitor de pé atraiçoa o hábito instituído.

Silêncio.

Com todas as desculpas devidamente discriminadas, duas páginas do livro que tinham ficado coladas.

A bem do significado, do autor, da poesia e da arte no seu geral, a releitura impõe-se.

Unanimidade concordante.

O releitor senta-se.

Recomeça, pelo título.

"Há moscas em torno da lâmpada"

São duas.

E todos prestam atenção.

 

 

© Mário Montenegro / Julho 2000




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